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16 de junho de 2016
O que está faltando ao Brasil
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POR CNA

A crise econômica e moral que se abateu sobre o País despertou nos brasileiros reservas de ativismo cívico por muito tempo ausentes da nossa vida política. Desde março de 2015 até maio deste ano, multidões saíram às ruas, repetidas vezes, de modo pacífico e espontâneo, em protesto contra a ruína da economia, a predação de nossas melhores empresas públicas e o abandono do interesse público por grande parte do sistema político.

As instituições do Estado de Direito funcionaram apropriadamente e os Poderes Judiciário e Legislativo promoveram uma saída constitucional para a crise, fiéis aos rigores formais da lei, mas sensíveis, também, à vontade majoritária da Nação.

Felizmente, a população brasileira reagiu de modo maduro e sereno ao desfecho da crise política. Provou que a Nação não está dividida e que os inconformados constituem parcela minoritária da sociedade. Só chegamos ao ponto de apoiar e exigir o impedimento da presidente da República porque o estado da economia atingiu um limite insustentável. Ficou claro para todos que o principal responsável por tudo foi o governo, em alguns casos a falta de um governo efetivo.

Os setores produtivos tiveram papel ativo no processo. Coadjuvaram, no tempo próprio, com as iniciativas e manifestações nas cidades, não porque reivindicassem qualquer protagonismo de natureza puramente política – o que não lhes cabia –, mas porque perceberam que a desintegração progressiva do ambiente econômico acabaria por destruir a capacidade de produção do País. Uma vez concluído o processo, industriais, comerciantes e agricultores voltam, agora, ao trabalho, para cumprir o seu papel natural na vida da Nação.

Restam diante de nós os imensos problemas que nos foram legados. O caminho de volta ao equilíbrio fiscal, ao crescimento econômico e à regeneração da vida pública, tudo o que foi perdido, vai demandar remédios amargos, para os quais não sabemos, ainda, se a sociedade está totalmente preparada. Pode haver reações que cheguem ao limiar de conflitos sociais.

A maior parte das medidas necessárias precisará da ação do sistema político e das Casas do Parlamento. O esgotamento da capacidade fiscal do Estado, que é o responsável pela recessão econômica e a alta inflação, só pode ser corrigido por medidas legislativas e emendas constitucionais, que atingem interesses constituídos. A maior ou menor resistência da sociedade a essas mudanças dependerá de como o processo for conduzido pela classe política.

Se deputados e senadores forem capazes de, por um momento, deixar de lado a lógica dos seus interesses particulares, especialmente os de ordem eleitoral, e se dispuserem a discutir e construir um caminho para o futuro, nosso país poderá ter a esperança de reencontrar um destino de progresso e justiça.

O governo em exercício tem mostrado que reconhece e compreende os problemas que tem pela frente. A proposta de estabelecer um teto nominal para as despesas dos exercícios fiscais, limitado apenas à inflação do ano anterior, sem nenhum crescimento real, é um remédio duro, para o qual não há alternativas. O grande teste será a sua apreciação pelo Congresso Nacional. Em breve, os interesses organizados saltarão sobre as bancadas parlamentares, para que sua parte no bolo fiscal seja excluída dos tetos e das restrições.

O orçamento fiscal é, hoje, a grande arena em que se exprimem os conflitos distributivos. Todos têm seus bons motivos, mas nenhum tem razão neste momento. Se não for restaurado um equilíbrio duradouro nas contas públicas, caminharemos para um desastre geral, que arruinará todos.

Não é fácil ser otimista. O sistema político está em muito mau estado. Conseguimos a proeza de ter mais de 30 partidos, quase totalmente indiferenciados e com os quais o Poder Executivo tem de se articular em termos pragmáticos, já que não há questões de princípios em jogo. Construir uma pauta unificadora e negociar em questões exclusivamente de mérito é cada vez mais raro e difícil.

Nossa democracia, apesar de vibrante e autêntica, em virtude dos defeitos do sistema eleitoral, não tem produzido líderes capazes de agregar e formular agendas transformadoras, com amplo apoio popular. O sistema político acaba funcionando por impulsos, respondendo apenas a emergências, sem condições de resistir a pressões corporativistas e de interesses mais bem organizados.

Reconheço, com tristeza, que uma geração inteira já foi sacrificada. Passada mais uma emergência institucional, todos temos razão em temer que a política brasileira volte, mais uma vez, ao seu lugar de sempre e não dê aos brasileiros a oportunidade de sonhar com realizações mais altas, que a nossa riqueza natural e o nosso povo nos permitem desejar.

A sociedade não se recolheu, para sempre, às suas casas e a seus locais de trabalho. Tendo chegado até aqui, ela não vai permitir que tanto esforço e esperança se dissipem no nada. A Nação espera que os seus representantes, malgrado as imperfeições e os vícios dessa representação, aprovem as medidas exigidas para reconduzir o País à normalidade.

Se os interesses políticos esvaziarem o conteúdo das reformas legislativas e patrocinarem falsas reformas, que não resolvem nada, a Nação, os trabalhadores e os empresários, jovens e adultos, brasileiros de hoje e do amanhã, terão o direito de reagir.

Passadas as emergências da crise econômica e social, os políticos devem à Nação uma reforma política que mude a natureza caótica da representação parlamentar e torne os agentes públicos – presidente, governadores, prefeitos e legisladores – mais responsáveis pelos seus erros e pelas suas ações.

Um sistema político mais justo consequente não teria permitido que tantos agentes públicos tivessem errado tanto, durante tanto tempo. Se tudo isso acontecer, terão valido a pena os riscos e perigos que corremos.


*João Martins da Silva Júnior é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

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